terça-feira, 20 de junho de 2017

Uma gargalhada assustadora

Ignazio Silone assistiu ao Comintern na década de 20 como delegado do partido comunista italiano. Um dia, numa comissão especial do executivo, discutia-se o ultimato de um sindicato britânico aos seus militantes, segundo o qual as secções locais que apoiassem o movimento minoritário dirigido pelos comunistas seriam expulsas. A situação era complicada, lamentava o representante do partido comunista inglês. Tanto a adesão aos princípios como a saída do sindicato poderiam levar à liquidação da minoria comunista. O delegado russo Piatnisky apresentou uma solução que lhe parecia tão óbvia como o ovo de Colombo. “As secções”, disse ele, “devem declarar que se submetem à disciplina exigida, e depois na prática fazem exactamente o contrário”. O comunista inglês replicou: “Mas isso seria uma mentira”. A sala irrompeu numa estrondosa gargalhada, que parecia não ter fim, sombria como as salas da Internacional Comunista. A anedota espalhou-se rapidamente por toda a cidade de Moscovo. A inacreditável e ingénua resposta do inglês foi imediatamente contada por telefone a Estaline e a importantes figuras do Estado, provocando por toda a parte novas ondas de galhofa.
Anos mais tarde, Silone diria que, na sua memória, esta tempestade de gargalhadas se sobrepôs a todos os discursos longos, pesados e opressivos que ouviu durante as reuniões da Internacional Comunista. A gargalhada transformou-se para o italiano numa espécie de símbolo. Geralmente, o riso está do lado da liberdade e tantas vezes a ironia lançada aos autocratas é a única forma de oposição possível. Mas aquela não era uma gargalhada saudável de homens livres. Era uma gargalhada trocista, a gargalhada do cinismo total, que não vê mais nada no mundo além do poder puro e simples.

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